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Durante os anos 2000, um som rouco e potente tomava conta dos autódromos brasileiros, e também das tardes de domingo na televisão. Era a Fórmula Truck, categoria que misturava velocidade, caminhões e um espetáculo único de adrenalina. Com arquibancadas lotadas e transmissões de TV de audiência expressiva, a Truck viveu uma época gloriosa, sendo por anos a maior categoria do automobilismo nacional em público presente nas pistas.
Neste artigo, vamos relembrar os tempos em que a Fórmula Truck dominava o coração dos brasileiros, destacando seus pilotos, momentos históricos e os motivos do seu sucesso.
Como Surgiu a Fórmula Truck?
A Fórmula Truck nasceu de forma quase acidental em 1987, quando um grupo de caminhoneiros, liderado por Aurélio Batista Félix, decidiu organizar uma corrida de exibição no Autódromo de Cascavel (PR). O evento foi idealizado inicialmente como uma demonstração entre amigos para exibir habilidade ao volante dos caminhões, mas o sucesso inesperado da prova chamou a atenção do público e da mídia.
Com o apoio de patrocinadores locais e o entusiasmo dos participantes, a ideia evoluiu para um campeonato regular. Em 1996, a categoria foi oficializada com a realização do primeiro campeonato brasileiro de Fórmula Truck. Desde então, o que era uma brincadeira entre caminhoneiros se transformou em um espetáculo esportivo que envolveu tecnologia, marketing, engenharia e paixão por velocidade.
Desde o início, o diferencial era a potência dos veículos: caminhões preparados, com mais de 1000 cavalos de potência, competindo em pistas tradicionais do automobilismo. A organização implementou regras rígidas de segurança, como limitadores de velocidade e sistema de frenagem reforçado, e atraiu grandes montadoras e patrocinadores. A logística complexa, que envolvia o transporte de caminhões por centenas de quilômetros, também se tornou parte do espetáculo e da mística da categoria.
As Corridas: Barulho, Força e Emoção
Assistir a uma corrida da Fórmula Truck era uma experiência sensorial. O som ensurdecedor dos motores, o cheiro de diesel, o calor dos freios incandescentes e a vibração das arquibancadas criavam uma atmosfera única.
As provas eram realizadas em autódromos de todo o Brasil e, em alguns anos, também em outros países da América do Sul. O formato era acessível e empolgante: treinos, classificações e a corrida principal, geralmente com muita troca de posições, ultrapassagens arrojadas e contato entre os gigantes da pista.
Havia ainda um aspecto de entretenimento: shows antes e depois das provas, presença de celebridades, exibição de manobras com os caminhões e áreas de lazer para famílias. Isso transformava cada etapa em um evento completo.
Os Pilotos Que Viraram Lenda
Vários nomes se destacaram e se tornaram ícones da categoria:
- Felipe Giaffone: um dos maiores campeões da Truck, com múltiplos títulos e presença constante no pódio. Filho de José “Zeca” Giaffone, também piloto e empresário do setor, Felipe consolidou seu nome como sinônimo de excelência e regularidade nas pistas.
- Roberval Andrade: conhecido por sua agressividade e duelos históricos. Roberval ficou famoso por seu estilo destemido e por protagonizar disputas emblemáticas com Giaffone, elevando o nível de emoção das corridas.
- Wellington Cirino: campeão respeitado e presença constante nas primeiras posições. Com uma pilotagem precisa e estratégica, Cirino representava a figura do piloto técnico, que sabia extrair o máximo do equipamento.
- Beto Monteiro: outro multicampeão, famoso por sua técnica e consistência. Monteiro foi essencial para popularizar a categoria no Nordeste, levando a Truck a novas praças e ampliando o alcance da competição.
Esses pilotos, entre outros, se tornaram populares e colecionaram fãs fiéis, criando rivalidades intensas e espetáculos memoráveis. Além disso, atraíram patrocinadores fortes, como montadoras e empresas de pneus, que investiram pesado em marketing e estrutura técnica. Muitos desses atletas também participaram de campanhas publicitárias e se tornaram figuras públicas reconhecidas, ampliando o apelo da categoria para além do nicho do automobilismo.
Audiência e Popularidade na TV
Durante mais de uma década, a Fórmula Truck foi transmitida ao vivo pela TV Bandeirantes, alcançando picos de audiência que rivalizavam com jogos de futebol. As transmissões traziam narração vibrante, câmeras dentro dos caminhões e cobertura das arquibancadas lotadas.
O carisma dos pilotos, o apelo popular dos caminhões e a imprevisibilidade das corridas ajudavam a manter a audiência alta. Crianças, idosos, famílias inteiras se tornaram fãs da categoria, que muitas vezes superava a Stock Car em alcance.
Por Que a Categoria Enfraqueceu?
O declínio da Fórmula Truck começou a se delinear por volta de 2016. Após a morte de seu fundador, Aurélio Batista Félix, em 2008, a categoria perdeu parte de sua identidade. Problemas administrativos, divergências entre organizadores, saída de patrocinadores e fabricantes, além da criação de uma categoria concorrente (a Copa Truck), contribuíram para o enfraquecimento.
Com a divisão do grid e redução da visibilidade na mídia, o público também diminuiu. Em 2017, muitos dos principais pilotos migraram para a nova categoria, e a Fórmula Truck teve sua temporada encerrada antes do fim. O cenário econômico do país, com queda nos investimentos esportivos e dificuldades para viabilizar eventos de grande porte, também influenciou negativamente.
O Legado da Truck no Automobilismo Brasileiro
Apesar do declínio, a Fórmula Truck deixou um legado marcante. Foi uma das primeiras categorias a popularizar o automobilismo entre públicos fora do eixo tradicional, levando corridas a cidades do interior e promovendo inclusão regional.
Também inovou em aspectos técnicos e de segurança, criando uma identidade visual forte e um modelo de evento que unia corrida, show e entretenimento familiar. Sua contribuição para a profissionalização do automobilismo de caminhões é inegável.
Além disso, inspirou outras categorias similares na América Latina e revelou talentos que migraram para outras modalidades. Seu modelo de proximidade com o público, marketing direto e valorização da figura do piloto são lições que permanecem como referência para categorias nacionais até hoje.
Considerações Finais
A Fórmula Truck foi mais que uma categoria de corridas — foi um fenômeno cultural. Durante quase duas décadas, empolgou torcedores, lotou autódromos e levou a emoção dos gigantes das estradas para o coração dos brasileiros.
Mesmo com seu fim, permanece na memória dos fãs como um símbolo de uma era vibrante do automobilismo nacional. E para quem viu de perto, o ronco dos caminhões ainda ecoa como trilha sonora de domingos inesquecíveis.
